Nem todos percebem, mas o Natal em São João del-Rei dura muito tempo, quase um mês. Começa no dia 15 de dezembro, com a Novena do Menino Jesus, na Igreja do Rosário, e vai até o dia 6 de janeiro, quando se festeja o Dia de Reis.
Assim como o Ano Novo, com quem se abraça e se embaraça, o Natal, como um todo, é uma festa ao mesmo tempo sacra, religiosa e profana, pois em São João del-Rei envolve de tudo um pouco. Rezas populares, tradições barrocas, encenações teatrais, montagem de presépios, ceia e almoços com gastronomia própria, comemorações sociais, foguetes, toque de sinos, confraternizações de amigo oculto, troca de presentes, folias de reis e pastorinhas, enfim uma epopéia de felicidade, intensa como uma maratona festiva
A Novena do Menino Jesus é um capítulo à parte. Realizada na Igreja do Rosário, edificada pela Irmandade mais antiga da cidade e uma das 3 mais antigas do Brasil, fundada em 1708, foi composta pelo compositor Padre José Maria Xavier e desde sempre é executada pela Orquestra Lira Sanjoanense, que por sua vez é a corporação musical ativa mais antiga das Américas.
Nos dias que antecedem o Natal, uma vasta programação de shows musicais, recitais e de concertos eruditos, nas praças públicas, nas escadarias dos principais edifícios, nos teatros e nas igrejas dão noção do quanto São João del-Rei ama a música e tem gosto em festejar a vinda do Salvador. E assim vão se sucedendo os dias...
O Tencão do Natal, dobrado e repicado nos sinos daquela igreja que foi dos escravos, no dia 24 de dezembro, pouco depois do meio-dia, é toque de mestre. Mistura tencão, terentena, repiques e floreados em um ritmo melódico curioso e cheio de significados, que dura cerca de 20 minutos. Na metade da "obra" o sino maior, principal, dá nove badaladas, significando os nove meses da gestação de Nossa Senhora e o espaço de tempo entre uma badalada e outra é contado pela reza silenciosa de uma Ave Maria.
Às 23 horas da mesma noite, na mesma igreja, a Missa do Galo é tão bela quanto emocionante. Os fiéis aguardam na igreja em penumbra de poucas velas acesas, enevoada de incenso, a entrada do cortejo litúrgico, no qual o celebrante tem às mãos, erguido, um missal grande e grandioso, de prata. A missa começa nessa penumbra até que, à leitura do misterioso e singelo evangelho e ao canto do Glória, todas as luzes se acendem, os sinos tocam vigorosamente e foguetes estouram em profusão.
No entardecer do dia 25, na igreja do Rosário, às 17 horas, o canto do Te Deum e adoração a Jesus recém-nascido é sublime. Entre leituras, rezas, cantos e responsórios, em um determinado momento, na mesa da comunhão, o celebrante oferece para todos, um a um, beijarem ou tocarem, a imagem do pequeno Salvador - uma cena que mistura respeito, contrição, conforto, fé e esperança, fazendo o coração palpitar desritmado e os olhos orvalharem emoção.
Dias seguintes, as folias de reis e pastorinhas enchem de alegria os bairros e o centro histórico e, mesmo nesses tempos digitais, o memorável Presépio da Muxinga tanto encanta muitas crianças quanto faz virar criança muitos adultos.
Até que no dia 6 de janeiro, Dia de Reis, ou alguns anos no primeiro domingo do primeiro mês do ano, o menino Jesus sai em razoura, com seu pequenino trono sobre um andor florido, dando uma volta em torno da igreja e pelo largo do Rosário.
Os sinos tocam e a banda toca, espalhando no ar a alegria e a esperança de que, no dezembro seguinte, todos estejam vivos e com saúde, para ver o Natal São-joanense se repetir outra vez...
Clique e ouça as Matinas do Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo,
obra do compositor são-joanense Padre José Maria Xavier
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Texto e foto: Antonio Emilio da Costa
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