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A Paixão de Cristo, os mistérios, encantos e a magia da antiga Semana Santa de São João del-Rei


Antigamente em São João del-Rei, além da fé e da devoção, muitos outros sentimentos ocupavam os corações são-joanenses durante a Quaresma e a Semana Santa. Desde a piedade e a penitência, passando pelo jejum e abstinência voluntária de carne, até a restrição do lazer.

Os bailes, por exemplo, eram suspensos nos clubes e salões locais e só voltavam a acontecer após a meia noite do Sábado Santo, ou melhor, do primeiro minuto do Domingo de Páscoa. Era o famoso Baile da Aleluia.

O Domingo de Ramos era um contexto especial e uma ambiência religiosa singular. Começava com o som longo e espaçado dos sinos e a bênção das palmas, na igreja do Rosário, ao fim do que, na Matriz do Pilar se assistia a missa que, segundo os antigos, tinha o Evangelho mais demorado do ano. Teatralizado e cantado, narrava a história de Cristo,  da prisão no Horto das Oliveiras até o último suspiro, no Monte Calvário. As palmas bentas, acreditava-se, tinham poderes mágicos de proteção da casa que a guardava. Bastava queimá-las para acalmar o céu furioso das tempestades, a ira de Deus na forma de raios e trovões.

Quando chegava a Sexta-feira Santa, a cidade mergulhava-se no mais profundo silêncio. As pessoas falavam baixo, andavam devagar, não varriam a casa, sequer passavam perto de bebida alcoólica. Rádio ligado? Só na Rádio São João, na transmissão do Sermão das Sete Palavras e da Adoração da Cruz. Não se fazia jejum absoluto, mas as pessoas eram discretas ao saciar a fome, com comidas simples da qual fazia parte o bacalhau.

Sexta-Feira da Paixão era um dia de poderes e mistérios, quando a turba da morte de Jesus fragilizava a fronteira dos diversos mundos. Permitia o livre trânsito de incontroladas energias e até o contato com o além,  numa ordem avessa aos limites que cotidianamente existiam entre o Bem e o Mal. Por isso, era dia de se colher ervas medicinais na serra e nos campos, antes do nascer do sol, de cortar as unhas e jogar na água corrente, de procurar um respeitado benzedor para tirar quebranto e mau olhado, fechar o corpo e fazer simpatias, principalmente para recuperar a saúde e a prosperidade.
Pelo mesmo motivo de desamparo da Ordem, as mandingas e feitiços realizados na Sexta-Feira Santa eram tidos como eficazes e infalíveis, gerando absoluto temor. Descobrir e quebrar feitiço feito neste dia era coisa difícil, quase impossível, pela perturbação do emaranhado em que o universo, com a Lei enfraquecida de tristeza pela morte de Cristo, naquele momento se encontrava. Só medo, nenhuma esperança.

Esse clima místico perdurava Sábado Santo afora, só ia se dissipando quando o sol do meio dia fazia a curva para se esconder atrás da Serra do Lenheiro. Vinha a noite e a alegria explodia no dobrar festivo dos sinos da Matriz e nos foguetes que anunciavam o Aleluia. Cristo ressuscitou, já se podia de novo rir, beber, dançar...


E tudo terminava no fim da tarde de domingo, com a queima do Judas, enforcado, pendurado em uma árvore de embaúba, fincada na beira da praia, perto da Ponte do Rosário, na Rua do Ouro, no Tijuco, no Alto das Mercês, no Senhor dos Montes, no Bonfim, no Lava-pés, em Matosinhos. Sem coelhinho nem ovo de páscoa. Mas com muita felicidade!

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