"Um rio de gente desce
caudaloso e turbulento
pelo Beco do Cotovelo.
Palavras, ombros, partituras,
velas, terços, instrumentos e pés
se esbarram, se comprimem,
se atropelam, deixando cair
pedaços de prece, retalhos de sonho,
notas musicais e pepitas de medo
no calçamento pé-de-moleque.
O buganvile lílás, abraçado ao jasmim cheiroso,
debruça sobre as telhas curvas, do muro de pedras,
e recolhe um olhar perdido, um suspiro saudoso,
um pressentimento. Creio em Deus Padre!...
Finda a curva no Largo da Cruz,
sentimentos novamente se desembaraçam.
Se desvencilham, se harmonizam,
se diluem como a fumaça do incenso.
Ali, o galo que cantou depois que Pedro negou Cristo,
na Noite da Condenação, assiste tudo e não anuncia a aurora,
imovel que está no telhado, sobre o cruzeiro de suplícios e estrelas,
com pingentes de franjas e lágrimas.
Ali, o homem de nobreza e bronze caminha há décadas
ao encontro de sua família, mas o tempo passa
e ele nunca consegue sair do lugar. Sonho inalcançável!
No Largo da Cruz, mistérios brotam dos jardins,
mas quase sempre morrem antes de em alegrias florescer."
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* do folheto inédito A Paixão segundo São João (del-Rei)
Maravilhoso e autêntico. Me identifico com tudo nele. O "Beco" é minha passagem de todos os dias e o "Largo" o palco de uma infância muito feliz. Obrigado pela partilha.
ResponderExcluirUm grande abraço.
A graça é 'cortar o caminho' da Via Sacra pelo beco do Cotovelo, tão bem descrito aqui... Só quem viveu isso sabe... Adorei! Abçs, KK
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