Pular para o conteúdo principal

Carnaval de São João del-Rei tem saudades do imortal Rancho Carnavalesco Custa Mas Vae

Quem é de São João del-Rei, tem mais de cinquenta anos e passou a infância na cidade  certamente não se esquece: quando nas noites de carnaval clarins tocavam na Ponte da Cadeia anunciando que o Rancho Carnavalesco Custa Mas Vae já estava cruzando os Quatro Cantos, uma emoção forte inquietava a todos, disparava o coração. Aos poucos, a multidão ia se recompondo, voltando a si, recuperando o fôlego para ver passar, dolente, acetinada, verde e rosa uma das mais antigas agremiações carnavalescas da cidade, criada nos anos vinte do século passado.

Um rancho moreno, perfumado, extraordinariamente singelo, com suas crianças inocentes, ingenuamente sensuais pastoras, homens e rapazes pontuando com firmeza o movimento do rancho. Ciganas, fadas, aladins, sultões, baianas, mandraques, piratas - todos deslizando sublimes ao som de uma marcha rancho de composição sofisticada e letra erudita, que colocava um dos mais antigos ranchos carnavalescos são-joanenses acima das constelações celestes e dos maiores e mais importantes heróis da mitologia grega.

Depois de desfilar por quase (ou mais de) cinquenta anos, o Rancho Carnavalesco Custa Mas Vae há um bom tempo é apenas memória; lembrança e saudade dos velhos carnavais de São João del-Rei. Em seu livro, modestamente denominado Subsídios para a história do carnaval de São João del-Rei, o grande Jota Dangelo transcreve um folhetim de 1928 e descreve como foi o desfile do "Custa" naquele ano:

"Cavalgando garbosos ginetes, III [três] cavalleiros, empunhando clarins, cornetas e trombetas abrem, por entre a multidão, passagem para o Custa Mas Vae.  Em seguida, vêm o presidente e seu secretário, montados em dois lindos corcéis. Segue-se a porta-estandarte e seu  defensor, com trejeitos coreugráphicos [coreográficos], demonstrando sua perícia em tal arte.... surgem então as senhorinhas e os rapazes representando diversas constellações, estrellas, enfim, todos os astros que, embebidos, olhamos à noite". No final vinha a 'carruagem'  Dentro da Noite, nome do enredo idealizado e confeccionado por Lord Redondo."

Ainda falando sobre o Custa Mas Vae, Jota Dângelo conta que no carnaval de 1929 o rancho desfilou com o enredo  A Fada dos Bosques, e que o folhetim distribuído antes do desfile chamava a atenção para as marchas Nego no Samba e Marcha do Custa Mas Vae. Esta última, belíssima letra de J. Colombiano, vulgo Collombo, e composição, segundo o maestro Marcelo Ramos, de Pancrácio Loureiro, ficou conhecida como o Hino do Custa Mas Vae. Sua letra diz:

"Como estrela a cintilar, a luzir lá no céu, sempre azul,
tal é o Custa Mas Vae, rivalizando com o Cruzeiro do Sul.

Febo morre de ciúmes de ti porque brilhas no Carnaval.
Vênus te rende homenagens, és o Rancho Escola, és o Rancho Ideal .

És forte como Hércules. Teu passado é de gloria.
Tens um porvir glorioso, viva a folia, viva a vitória!

És bravo com denodo, e todos de ti bem dizem.
Do Carnaval és a nata, brava gente heróica e juvenil.

Qual farol que ilumina o caminho, tu és vencedor.
Sempre, sempre altaneiro, brilhas muito e com grande esplendor.

Do civismo és a alta expressão, tu jamais serás abatido.
Timoneiro valoroso, és o Rancho Escola, o Rancho ideal."

A marcha Hino do Custa Mas Vae foi gravada recentemente no CD Marchas Mineiras para Bandas pela Companhia dos Inconfidentes, sob regência do maestro Marcelo Ramos. Saiba mais sobre o CD e como adquirí-lo no vídeo abaixo:




Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Debaixo de São João del-Rei, existe uma São João del-Rei subterrânea que ninguém conhece.

Debaixo de São João del-Rei existe uma outra São João del-Rei. Subterrânea, de pedra, cheia de ruas, travessas e becos, abertos por escravos no subsolo são-joanense no século XVIII, ao mesmo tempo em que construíam as igrejas de ouro e as pontes de pedra. A esta cidade ainda ora oculta se chega por 20 betas de grande profundidade, cavadas na rocha terra adentro há certos 300 anos.  Elas se comunicam por meio de longas, estreitas e escuras galerias - veias  e umbigo do ventre mineral de onde se extraíu, durante dois séculos, o metal dourado que valia mais do que o sol. Não se tem notícia de outra cidade de Minas que tenha igual patrimônio debaixo de seu visível patrimônio. Por isto, quando estas betas tiverem sido limpas e tratadas como um bem histórico, darão a São João del-Rei um atrativo turístico que será único, no Brasil e no mundo. Atualmente, uma beta, nas imediações do centro histórico, já pode ser visitada e percorrida. Faltam outras 19, já mapeadas, dependendo da sensi

Em São João del-Rei não se duvida: há 250 anos, Tiradentes bem andou pela Rua da Cachaça...

As ruas do centro histórico de São João del-Rei são tão antigas que muitas delas são citadas em documentos datados das primeiras décadas do século XVIII. Salvo poucas exceções, mantiveram seu traçado original, o que permite compreender como era o centro urbano são-joanense logo que o Arraial Novo de Nossa Senhora do Pilar do Rio das Mortes tornou-se Vila de São João del-Rei. O Largo do Rosário, por exemplo, atual Praça Embaixador Gastão da Cunha, surgiu antes mesmo de 1719, pois naquele ano foi benta a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, nele situada e que originalmente lhe deu nome. Também neste ano já existia o Largo da Câmara, hoje, Praça Francisco Neves, conforme registro da compra de imóveis naquele local, para abrigar a sede da Câmara de São João del-Rei. A Rua Resende Costa, que liga o Largo do Carmo ao Largo da Cruz, antigamente chamava-se Rua São Miguel e, em 1727, tinha lojas legalizadas, funcionando com autorização fornecida pelo Senado da Câmara daquela Vila colonial.  Por

Padre José Maria Xavier, nascido em São João del-Rei, tinha na testa a estrela da música barroca oitocentista

 Certamente, há quase duzentos anos , ninguém ouviu quando um coro de anjos cantou sobre São João del-Rei. Anunciava que, no dia 23 de agosto de 1819, numa esquina da Rua Santo Antônio, nasceria uma criança mulata, trazendo nas linhas das mãos um destino brilhante: ser um dos grandes - senão o maior - músico colonial mineiro do século XIX . Pouco mais de um mês de nascido, no dia 27 de setembro, (consagrado a São Cosme e São Damião) em cerimônia na Matriz do Pilar, o infante foi batizado com o nome  José Maria Xavier . Ainda na infância, o menino mostrou gosto e vocação para música. Primeiro nos estudos de solfejo, com seu tio, Francisco de Paula Miranda, e, em seguida dominando o violino e o clarinete. Da infância para a adolescência, da música para o estudo das linguas, José Maria aprendeu Latim e Francês, complementando os estudos com História, Geografia e Filosofia. Tão consistente era seu conhecimento que necessitou de apenas um ano para cursar Teologia em Mariana . Assim, j