Pular para o conteúdo principal

À luz do dia, cemitério desapareceu no centro histórico de São João del-Rei


Quem disse que morto não anda? Bem, se anda ou não anda,  isso ninguém ainda não viu, mas que cemitério muda de lugar, ah, isso muda. Pelo menos em São João del-Rei. Duvida? Então veja só:

Ainda não havia acabado o século XIX. Era, mais precisamente, dia 30 de novembro de 1897, quando a Mesa Administrativa da Irmandade da Misericórdia  de São João del-Rei foi convocada para tomar ciência de um documento que trazia um pedido inusitado - o fim imediato de sepultamentos no cemitério daquela irmandade.

Como aquele campo santo ficava em frente à Santa Casa de Misericórdia, bastava atravessar a rua para que o defunto, tendo deixado a vida naquele hospital, chegasse à morada eterna. Então, se morto não incomoda a ninguém - a não ser os que tem a alma apenada - por que tornar mais longa a distância entre este e o outro mundo, levando os mortos para o "Cemitério da Fábrica", que ficava na entrada da cidade, na margem esquerda do Rio das Mortes?

O ofício que, assim como os mortos, também partira da Santa Casa de Misericórdia, ao mesmo tempo em que fazia o pedido, explicava o motivo da solicitação: é que no dia 7 de janeiro do ano seguinte, 1898, seria inaugurado o Colégio de Nossa Senhora das Dores, para acolher meninas em regime de internato. Como o prédio recém-construído ficava parede-e-meia com o Cemitério e como criança, principalmente menina, não costuma ter muita amizade com os mortos...

Diante deste argumento, a Irmandade da Misericórdia não apresentou resistência. Pelo contrário foi misteriosamente rápida em sua ação. Tanto que, segundo o grande historiador são-joanense Sebastião de Oliveira Cintra, em seu livro Efemérides de São João del-Rei, no dia 23 de dezembro de 1897, portanto menos de um mês depois do pedido, "desapareceu o antigo Cemitério da Santa Casa de Misericórdia."

Comentários

  1. Muito legal. Vale uma continuação , explicando como o cemitério foi desativado . Onde exatamente ele ficava? O que foi construído no lugar ?

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Valeu, "Alguém Por Aí"! Para este Almanaque, com certeza trata-se de Alguém muito importante. Este cemitério ficava no local onde foi construído o Colégio Nossa Senhora das Dores, em frente à fachada antiga da Santa Casa. Sobre sua sugestão de trazer à lembrança de como o cemitério foi desativado, é bastante interessante, mas de imediato não consigo atender porque demandaria uma pesquisa no arquivo da Santa Casa e do próprio Cemitério do Quicumbi. Mas quem sabe não demore muito e a gente consiga fazer novo post, desdobrando esse assunto? Obrigado mesmo! Forte abraço

      Excluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Debaixo de São João del-Rei, existe uma São João del-Rei subterrânea que ninguém conhece.

Debaixo de São João del-Rei existe uma outra São João del-Rei. Subterrânea, de pedra, cheia de ruas, travessas e becos, abertos por escravos no subsolo são-joanense no século XVIII, ao mesmo tempo em que construíam as igrejas de ouro e as pontes de pedra. A esta cidade ainda ora oculta se chega por 20 betas de grande profundidade, cavadas na rocha terra adentro há certos 300 anos.  Elas se comunicam por meio de longas, estreitas e escuras galerias - veias  e umbigo do ventre mineral de onde se extraíu, durante dois séculos, o metal dourado que valia mais do que o sol. Não se tem notícia de outra cidade de Minas que tenha igual patrimônio debaixo de seu visível patrimônio. Por isto, quando estas betas tiverem sido limpas e tratadas como um bem histórico, darão a São João del-Rei um atrativo turístico que será único, no Brasil e no mundo. Atualmente, uma beta, nas imediações do centro histórico, já pode ser visitada e percorrida. Faltam outras 19, já mapeadas, dependendo da sensi

Em São João del-Rei não se duvida: há 250 anos, Tiradentes bem andou pela Rua da Cachaça...

As ruas do centro histórico de São João del-Rei são tão antigas que muitas delas são citadas em documentos datados das primeiras décadas do século XVIII. Salvo poucas exceções, mantiveram seu traçado original, o que permite compreender como era o centro urbano são-joanense logo que o Arraial Novo de Nossa Senhora do Pilar do Rio das Mortes tornou-se Vila de São João del-Rei. O Largo do Rosário, por exemplo, atual Praça Embaixador Gastão da Cunha, surgiu antes mesmo de 1719, pois naquele ano foi benta a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, nele situada e que originalmente lhe deu nome. Também neste ano já existia o Largo da Câmara, hoje, Praça Francisco Neves, conforme registro da compra de imóveis naquele local, para abrigar a sede da Câmara de São João del-Rei. A Rua Resende Costa, que liga o Largo do Carmo ao Largo da Cruz, antigamente chamava-se Rua São Miguel e, em 1727, tinha lojas legalizadas, funcionando com autorização fornecida pelo Senado da Câmara daquela Vila colonial.  Por

Padre José Maria Xavier, nascido em São João del-Rei, tinha na testa a estrela da música barroca oitocentista

 Certamente, há quase duzentos anos , ninguém ouviu quando um coro de anjos cantou sobre São João del-Rei. Anunciava que, no dia 23 de agosto de 1819, numa esquina da Rua Santo Antônio, nasceria uma criança mulata, trazendo nas linhas das mãos um destino brilhante: ser um dos grandes - senão o maior - músico colonial mineiro do século XIX . Pouco mais de um mês de nascido, no dia 27 de setembro, (consagrado a São Cosme e São Damião) em cerimônia na Matriz do Pilar, o infante foi batizado com o nome  José Maria Xavier . Ainda na infância, o menino mostrou gosto e vocação para música. Primeiro nos estudos de solfejo, com seu tio, Francisco de Paula Miranda, e, em seguida dominando o violino e o clarinete. Da infância para a adolescência, da música para o estudo das linguas, José Maria aprendeu Latim e Francês, complementando os estudos com História, Geografia e Filosofia. Tão consistente era seu conhecimento que necessitou de apenas um ano para cursar Teologia em Mariana . Assim, j