São João del-Rei tem tantos e tão belos quanto valiosos monumentos arquitetônicos e urbanísticos que muitos, com certeza, em localização levemente periférica aos templos monumentais e aos largos, ruas e becos turisticamente "mais explorados", poucos são conhecidos e valorizados pelos são-joanenses. Pena. Correm sérios riscos. Bastam poucos minutos de sentimento bárbaro e torpes atos vândalos para que fiquem danificados para sempre, quando não irremediavelmente perdidos.
O Chafariz da Legalidade é um deles. Tem em seu histórico todos os elementos citados acima. Mas São João del-Rei não aprendeu a lição: pouco depois da agressão que o danificou parcialmente, o monumento novamente caiu no esquecimento e descaso, abandonado à própria sorte em local urbano muito adverso para uma obra de tamanho significado e delicadeza.
Seu entorno é escuro e deserto. A iluminação sombria. A vizinhança move-se atônita, na força dos hormônios juvenis e "nos embalos de sábado à noite". Proteção física não tem. Vigilância e segurança pública permanente, também não. Videntes culturais e previdentes de plantão temem que o Chafariz da Legalidade venha a viver algo como a "crônica de uma morte anunciada".
Civilmente, a quem pertence o Chafariz da Legalidade? Irmão em matéria das pontes de pedra e do pelourinho, é propriedade do poder público municipal? Inegavelmente é um bem histórico-cultural de São João del-Rei, patrimônio de Minas Gerais e do Brasil. Mas quem o vê? Abandonado, em seu bucólico recanto, quem por ele vela, reza e zela?
A comunidade cultural, os órgãos responsáveis pela preservação da memória local e até a própria coletividade desarvoram quando caem adobes da Matriz do Pilar, reboco e telhas da capela do Senhor dos Montes, infiltrações e trincas aparecem em outros visíveis monumentos. Isto é certo, tem que ser assim mesmo. Melhor, até, seria se todo o patrimônio construído tivesse atenção e cuidados permanentes para que em hipótese alguma ficasse exposto a situações de risco. Mas por que ser deliberadamente neglicente, por exemplo, com o Chafariz e com os vários Cruzeiros de Penitência erigidos no Pau d'angá, no Morro da Forca, na Rua do Ouro, ao lado da igreja das Mercês e em outros pontos da cidade? Convém lembrar que, daqui a algum tempo, as pontes também estarão fragilizadas pelo peso do transito urbano e desgastadas pelo passar dos séculos.
Volta e meia se fala nas comemorações, em 2013, dos 300 anos da elevação de São João del-Rei à categoria de Vila.Todos somos ufanistas por nossas tradições culturais, pela dedicação e competência com que a cidade preserva e realiza a Semana Santa, produz e promove o Festival Inverno Cultural, faz acontecer o carnaval e mantém vivo um calendário impar de programações religiosas, civis, culturais e populares. Mas nenhum olhar se volta para a preservação de monumentos situados em locais "menos turísticos" e, por isso, julgados menores e menos significantes.
São João del-Rei tem coisas que nenhuma outra cidade tem, é verdade. Inclusive uma ponte duocentenária, em condições de ser restaurada, sepultada no centro da cidade. Em qualquer lugar do mundo já se teria movido montanhas para recuperar e trazer à via, à vista e à vida tão importante monumento. Aqui não. Vizinho à Ponte da Misericórdia, sepulta, o Chafariz da Legalidade corre o risco de ir pelo mesmo caminho, pois hoje, ao olhá-lo com mais cuidado, a impressão que se tem é de ser um monumento desprezado, órfão e indigente.
Diante do custo devido e reconhecido que se tem com grandes e necessárias realizações, quanto custará restaurar o Chafariz da Legalidade e transformar sua praça em um bosque agradável, com uma pequena arena para espetáculos "de bolso", local de alívio e convívio para crianças e idosos em meio a um ambiente urbano inevitavelmente a cada dia mais degradado? Mão de obra de restauradores para um trabalho breve e relativamene simples. Um projeto de jardinagem e iluminação, prevendo-se o plantio de ipês, flamboyants e pequenas palmeiras, arbustos adequados e até uma cascata de orquídeas no muro de contenção do elevado sobre o qual está o Grupo Escolar Maria Tereza. Tudo isso cercado por um alto gradil e portão para fechar-se à noite, corretamente orientado pelos órgãos locais, estaduais e federais responsáveis pela preservação do patrimônio são-joanense, mineiro e brasileiro. Este patrimônio inclui o Chafariz da Legalidade.
Não se duvide: o orquidário com certeza seria viabilizado só com doações das famílias são-joanenses, assim como grande parte das árvores e plantas ornamentais se obteria como demonstração de cidadania e responsabilidade social de várias empresas locais. Quem sabe muito desse projeto não se consiga viabilizar por meio de patrocínios de empresas relevantes - do ramo industrial, siderúrgico e de transportes, por exemplo - situadas ou cujos produtos passam em transporte na região, como forma de neutralizar / compensar a emissão de carbono decorrente de suas atividades produtivas? Antes de qualquer coisa, é preciso sonhar, em seguida acreditar e, sem pensar duas vezes, correr atrás...
Então, pensando nisto tudo, desde já, clamemos:
São João del-Rei, enquanto é tempo, valorizai, salvai e protegei o Chafariz da Legalidade!
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