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De Padroeira a Padroeira: em breve dois caminhos para o Céu passarão por São João del-Rei


 Nos últimos meses, novas portas estão se abrindo para o desenvolvimento turístico de São João del-Rei, inclusive em uma modalidade pouco explorada no Brasil: o turismo religioso. Já está certo que a cidade será o marco zero do Caminho de Nhá Chica e Padre Vitor e referência importante no percurso De Padroeira a Padroeira.

Aos radicais, pareceria estranho falar em turismo religioso, pois turismo é uma das atividades econômicas que mais crescem no mundo. Mas promover o turismo religioso não é uma "heresia", quando se entende que esta atividade - antes de tudo - tem como objetivo principal oferecer estrutura e facilidades para que as pessoas possam praticar a religiosidade conhecendo culturas e geografias diferentes daquela onde residem. Há de se ressaltar: o turismo religioso não pode ter outro eixo senão a fé. Todos os outros argumentos que justificam a implementação da modalidade turismo religioso não podem ser maiores nem mais importantes do que o incentivo e apoio à prática religiosa, Se não for assim, é desvio, desvirtuamento.

Não julgo justo nem correto dizer que São João del-Rei é uma cidade que tenha potencial para o turismo religioso. São João del-Rei, na verdade e acima de tudo, é uma cidade onde seu povo tem fé e a pratica de modo peculiar. Isto é o que a diferencia de muitos destinos turísticos. A religiosidade são-joanense é viva, tão viva que possibilitou a sobrevivência cálida e autêntica de expressões e manifestações setecentistas - coisa muito rara em um mundo cada vez mais voltado para os simulacros e para o fake. Graças a Deus, nada em São João del-Rei se folclorizou ou espetacularizou. E se deseja que continue assim para sempre.

A cidade é muito feliz por ter à frente de sua participação nos dois projetos de turismo religioso, pessoas sérias, competentes, responsáveis. A Diocese, as paróquias, as irmandades, os grupos religiosos de manifestação popular espontânea, todos, acima de qualquer interesse outro, tem seu olhar voltado para a questão da fé são-joanense menos como atração e mais como patrimônio. Sobretudo como direito religioso, civil e cidadão do povo de São João del-Rei.

Assim, quando se pensa nos benefícios que o turismo religioso trará para São João del-Rei em termos econômicos e sociais - geração de renda com a criação de mais postos de trabalho, incremento do comércio, crescimento da rede hoteleira e gastronômica, enfim  desenvolvimento local - não se pode perder de vista os cuidados necessários para garantir que o grande aumento de população "estrangeira" em ocasiões tão sagradas para o povo são-joanense não altere nem interfira no modo como São João del-Rei exerce sua religiosidade.

Em Sevilha, na Espanha, por exemplo, em locais "nobres" por onde passam as procissões, há áreas reservadas como camarotes, vendidos para turistas dispostos a pagar ingresso. A população local fica do outro lado da rua, atrás de cordas. Há estudos acadêmicos que mostram como o crescimento do fluxo turístico interferiu negativamente, descaracterizou e subtraiu o significado e o sentido das celebrações religiosas de muitas cidades históricas de Minas Gerais.

Mas pelo que vem sendo dito sobre a inclusão e adesão de São João del-Rei aos dois projetos de turismo religioso, percebemos que os representantes locais são cientes tanto dos benefícios quanto dos impactos que envolvem a participação da cidade neste "empreendimento" turístico. Tranquiliza-nos mais ainda saber que são conscientes de que a religiosidade são-joanense e sua perpetuidade em tradições consolidadas que se repetem ao longo de trezentos anos, mais do que produto à disposição "da atividade  econômica que mais cresce no mundo", é um direito do povo de São João del-Rei e como tal devem ser preservadas.

Em afinidade com este tema e em sintonia com o festival Inverno Cultural, que nos próximos dias trará à cidade Elza Soares, ouçamos sua marcante interpretação de Se eu quiser falar com Deus.

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