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São João del-Rei, 1938: a número 1, tombada no Livro de Belas Artes do SPHAN.


Menos de cem anos. Mais precisamente, 87. Pensando bem, não faz muito tempo que o Brasil começou a valorizar seu patrimônio histórico-cultural. Consta que em 1924, por influência e iniciativa dos intelectuais, escritores e artistas do Movimento Modernista, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral, Olívia Guedes Penteado e Blaise Cendars fizeram uma viagem percorrendo e observando as principais cidades históricas de Minas Gerais. Foi aí que tudo começou...

Na sequência, José Mariano Filho, à frente da Sociedade Brasileira de Belas Artes, convocou arquitetos e alunos para inventariar detalhadamente o acervo arquitetônico histórico brasileiro, visando produzir albuns a serem usados na divulgação do patrimônio nacional. Àquela época, neste propósito, a riqueza da paisagem arquitetônica e paisagística de São João del-Rei foi documentada por Nereu Sampaio. Muito se revelou...

O cenário encontrado na cidade por Nereu Sampaio era tão fantástico que  foi o primeiro bem tombado no livro de Belas Artes do SPHAN - Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, no dia 3 de março de 1938. Antes mesmo do fabuloso conjunto formado pela igreja e convento de São Francisco de Assis da capital baiana, Salvador.

Nestes 73 anos, o mundo muito evoluiu. O Brasil urbanizou-se ainda mais. Mudaram-se as  relações econômicas, sociais, humanas e culturais. Renovaram-se os conceitos de espaço público, urbano, e do espaço privado, da propriedade particular e moradia, de conforto e habitação. Novas necessidades surgiram, o trânsito automobilístico intensificou-se, houve crescimento populacional, agravou-se o problema da infra-estrutura.

Sem dúvida, tudo isso há de ser considerado quando se avalia descaracterizações que, especialmente nas últimas cinco décadas, interferiram na paisagem bissecular de muitas cidades históricas. Sem perder de vista as relações conflituosas, as visões restritas e os interesses mutuamente imediatistas que muitas vezes são comuns a todas as partes envolvidas, geralmente opostas em dois lados: de um, o poder público. De outro, a sociedade civil. Perdem as comunidades. Perdem a cultura e a memória nacional.
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Foto: cruzeiro do Largo da Cruz (detalhe) - uma das raras  iconografias de parede da paixão de Cristo (séculos XVIII / XIX) existentes em Minas Gerais ( foto do autor)

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