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Guardar São João del-Rei. Inclusive no coração, mas aos olhos do mundo!

A ntes de ser cidade, São João del-Rei é sentimento. Como tal, mesmo antes do tempo, sempre existiu, abissal para quem a sabe. Mui preciosa, nela, em arcas, cofres, baús e silêncios, tudo se promete guardar:  tradições coloniais, patrimônios culturais,  memórias, conhecimentos, informações, saberes. Guardar lembranças, sonhos, esperanças, tristezas, segredos, mágoas, mistérios, prazeres ...

Mas o que é guardar? Até que ponto o retirar do dia a dia, da vista de todos, e ocultar até de si mesmo, com equivocado zelo, protege e garante perpetuidade?

Refletindo sobre isso, o poeta Antonio Cicero, irmão da cantora Marina Lima e parceiro musical de grandes artistas, como por exemplo do mineiro João Bosco, assim escreveu no poema

 Guardar

" Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la.
Em cofre fechado não se guarda nada.
Em cofre perde-se a coisa à vista.
Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la,
mirá-la por admirá-la, isto é,
iluminá-la ou ser por ela iluminado.

Guardar uma coisa é vigiá-la,
isto é, fazer vigília por ela,
isto é, estar acordado por ela,
isto é, estar por ela ou ser por ela.

Por isso melhor se guarda o vôo de um pássaro,
do que um pássaro sem vôos.
Por isso se escreve, por isso se publica,
por isso se declama e se declara um poema:
para que ele, por sua vez, guarde o que guarda,
guarde o que quer que guarde um poema.
Por isso o lance do poema:
por guardar-se o que se quer guardar. "

Então, guardemos São João del-Rei. Também no coração!

Transcrito do caderno IDÉIAS da Folha de São Paulo,edição de 02/jan/1987, pag B-12

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