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São João del-Rei e a Folia de Reis a "Caminho da Salvação"


A passagem de folias de reis pelas ruas de São João del-Rei - do centro histórico às localidades mais periféricas - é tradição centenária, mas nos últimos anos andou perdendo força, pela falta de renovação em seus membros. É que a modernidade e a urbanização, com seus novos valores estéticos e apelos tecnológicos, aos mais jovens ainda parecem  opor a folia de reis tradicional ao status de progresso e evolução. Com isso, os grupos são-joanenses cada vez mais se tornaram menores e mais escassos, compostos em sua grande maioria por pessoas mais idosas.

Atentos a esta realidade, alguns intelectuais buscaram não só minimizar este enfraquecimento quanto valorizar a folia de reis, elevando a auto-estima de seus membros e das comunidades que as conservam, pensando na  revigoração desta importante expressão cultural popular do ciclo natalino. Foi assim que a Organização Não Governamental Atitude Cultural organizou e promoveu, durante mais de uma década, o Encontro das Folias de Reis e Pastorinhas de São João del-Rei, realizado sempre no fim-de-semana mais próximo do dia 6 de janeiro - Dia de Reis. Desde sua criação, 2015 será o primeiro ano que o Encontro não acontecerá.

Entretanto, já há alguns anos a cidade recebe dois interessantes grupos de folias de reis vindos da Zona da Mata mineira, que sem dúvida podem ser considerados uma versão contemporânea desta manifestação cultural. Em princípio, eles se diferem bastante das folias tradicionais, mas possuem a mesma função religiosa, utilizam a música como elemento evangelizador e emocionam a população do mesmo modo.

Contudo, não retratam a folia de outros tempos; são a folia na sua face mais atual. Formados por um grupo numeroso de jovens, com roupas coloridas e caracterização rica de adereços, mesmo com instrumentos "primitivos" (sanfonas, caixas, triângulos, reco-recos, cavaquinhos, violas) cantam em ritmo que mescla o rural, o country e o funk, músicas religiosas difundidas pela indústria de comunicação de massa, em geral cantadas pelo padre Marcelo Rossi.

Muito ricas em suas alegorias brilhantes, figuras fantasmagóricas compostas por chifres, aranhas, monstros e outros elementos míticos, iluminados a LED em simbólicas coreografias e acrobacias, sua passagem fala das trevas que cobriam a humanidade até que o nascimento de Jesus Cristo trouxesse luz ao mundo. Na noite tenebrosa de tantos figurantes em movimento, o estandarte santo corta ao meio a escuridão, como fez a Estrela Guia de Belém. Não é sem motivo que uma das folias se chama A Caminho da Salvação.

É impossível ignorar a passagem destas folias, a começar pelo grande número de seus membros, todos jovens, negros, de forte presença e vitalidade. Por onde transitam, eles ocupam, se apropriam e se assenhoream do espaço, convictos de sua importância e de sua missão evangelizadora, social e cultural. Isto lhes assegura visibilidade, respeito e reconhecimento.

Elas apontam um caminho para tradições que, por estarem se tornando frágeis, quase a perder sua função, encontrem novas formas, novas estéticas, novas linguagens e novas alternativas para manter sua finalidade cultural. Mostram que mesmo nas trevas é possível encontrar o Caminho da Salvação...

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