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Em São João del-Rei, principalmente na Semana Santa, a Música se chama Maria Stella Neves Valle

 
Silêncio e palmas para nossa maestrina soberana. Se São João del-Rei é mesmo a 'Terra da Música', a Música em São João del-Rei tem nome. Se chama Maria Stella Neves Valle.

Dizer isso não é exagero. Dona Stella - como é respeitosamente conhecida a competente maestrina - há mais de meio século é uma das principais responsáveis pela perpetuação da tradição musical barroca na cidade, desde 1977 regendo a bicentenária Orquestra Ribeiro Bastos.

Tanto que hoje, seja no imaginário sociocultural de São João del-Rei, seja na realidade cotidiana do cultivo da música colonial na cidade, seu nome é o que primeiro surge quando o assunto é música, demonstrando como é forte a simbiose que existe entre a pessoa, a cidadã e aquela modalidade de arte. Tamanhas são a identificação e a dedicação que não é possível imaginar a Música são-joanense sem Dona Stella nem a existência de Dona Stella sem a presença da música.

Quem não a conhece e vê Dona Stella, na sua discrição e simplicidade, atravessar as ruas seculares, não consegue supor que aquela senhora morena, a seguir com passos firmes e determinados rumo aos ensaios, às missas e ao Memorial Dom Lucas Moreira Neves, é uma pessoa poderosa, capaz de transmutar o tempo. De abrir no século XXI pausas para o século XVIII. De orquestrar, em atos e movimentos, notas musicais, pautas, pausas, partituras, vozes, instrumentos, intervalos, sons, silêncios, papéis, tinta, madeiras, cordas e metais, transformando-os em discurso e sentimento delicados. Tudo com determinação absoluta e com firmeza declarada. Com emoção contida, mas com grande entusiasmo introspectivo. A realidade tem provado que não é preciso - e nem poderia - ser diferente.

Missas dominicais às 9h15 na igreja de São Francisco. Novenas de Nossa Senhora do Carmo e da Imaculada Conceição. Festa de Passos. Ofícios de Trevas. Sexta-feira Santa. Vigília Pascal. Te Deum da Ressurreição. Muito se engana quem pensa que, ao reger sempre as mesmas obras e repertórios, nas mesmas celebrações, a atuação de Dona Stella é automática, mecânica e repetitiva. Ao contrário. Requer constante inovar e renovar sem descaracterizar. E, até mesmo (por quê não?) criar e recriar. Não é isso o que ela, herdeira de rica ancestralidade musical, tão bem faz quando tempera’ compassos, colore notas, altera timbres, redefine tempos?

Sem dúvida, o uso que Dona Stella faz de sua existência é uma declaração de amor à Música, a São João del-Rei, à cultura, à memória, a Deus e à humanidade. Por isso, nada mais justo e merecido do que, às vésperas de mais uma Semana Santa são-joanense, o almanaque eletrônico Tencões & terentenas evocar o nome desta maestrina soberana  para fazer novas saudações e homenagens:

Bravo! Parabéns! Obrigado, Dona Stella...

Dona Stella como Verônica na Procissão do Senhor Morto (1950),
tendo à esquerda seu pai, o maestro Telêmaco Neves.
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Texto original publicado no jornal Gazeta de São João del-Rei, em 26/03/2010, e desde então disponível no site www.saojoaodelreitransparente.com.br

Crédito das Fotos: reprodução do album do Museu da Pessoa, disponível no endereço http://www.museudapessoa.net/hotsites/msjdelrei/stela_al.htm, acessado em 13 de abril de 2011

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